23 de junho de 2011
Chico Xavier: amor sem fim
O filme Chico Xavier, de Daniel Filho, reacendeu a memória desse grande líder espírita brasileiro. Um homem simples e amoroso que abdicou dos louros da fama para curar, alimentar e consolar milhares de necessitados. Em troca, recebeu o respeito e a admiração de todos, embora jamais tenha desejado recompensa alguma.
Texto • Raphaela de Campos Mell
Sem nenhuma pretensão de virar mito ou celebridade, longe disso, o médium mineiro Francisco Cândido Xavier fez história. Cumpriu sua missão na Terra com a disciplina e a humildade dos iluminados, apesar de ter refutado essa condição inúmeras vezes. Dizia ser um mero servo de Deus ou, com o bom humor característico, “uma tomada entre dois mundos”. Uma alma especial, na visão de devotos e simpatizantes que até hoje, quase nove anos após sua morte, o reverenciam com gratidão.
O coração de Chico foi grande o suficiente para acolher o sofrimento das pessoas. Em especial, pais e mães inconsolados pela morte de seus filhos. Com igual doçura e compaixão, abraçou pobres, doentes, famintos, desesperados. A caridade era a pedra fundamental de sua rotina humanitária. Dia e noite. Sempre pronto a atender quem batesse à sua porta em busca de ajuda. “Quando Chico vem ao hospital, é como se Jesus chegasse”, disse, certa vez, uma amiga enfermeira.
Outros tantos depoimentos e passagens surpreendentes recheiam o livro As Vidas de Chico Xavier – Biografia Definitiva (ed. Leya). Escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior, a obra deu origem ao filme Chico Xavier, sucesso de público dirigido por Daniel Filho. Mesmo “protegido” pelo distanciamento profissional, Marcel confessa não ter conseguido segurar as lágrimas ao conhecer pessoalmente o objeto de sua pesquisa. Não quis entender. Deixou a emoção seguir seu curso. Mais tarde descobriu que a simples presença do médium comovia boa parte dos visitantes. Houve até quem beijasse seus pés.
O fato é que, ao longo de seus 92 anos de vida, 74 deles dedicados à atividade mediúnica, o filho da minúscula Pedro Leopoldo, cidadezinha a 35 quilômetros de Belo Horizonte, não só colocou em prática o lema cristão “Dar sem esperar nada em troca”, como se tornou o grande difusor do espiritismo no Brasil. Os números são impressionantes: mais de 400 livros psicografados e mais de 30 milhões de exemplares vendidos. A renda dos direitos autorais? Doada para instituições beneficentes.
O escolhido
Seu destino estava traçado. Vida longa e dedicada ao próximo, com total intervenção do plano superior. Desde cedo, Chico se comunicava com o mundo dos espíritos.
Aos 5 anos, conversava com sua falecida mãe, Maria João de Deus. Ouvia dela: “Paciência, meu filho, muita paciência, pois esse martírio logo acaba”, referindo-se aos maus tratos praticados contra ele pela madrinha Rita de Cássia, sua tutora. Na escola, mais confusão. Ninguém entendia como textos rebuscados poderiam preencher os cadernos do garoto franzino. Ele dizia a verdade: “São vozes que escuto”. A zorra estava armada.
A infância pobre transcorreu sob o fantasma do desajuste, do estranhamento. Seu próprio pai, João Cândido Xavier, o taxava de louco. Na rua, olhares de desaprovação e fofoca. Na igreja, rezas e penitência para espantar o diabo. Em casa, surras em série. Aos 17 anos, atendente de armazém, quase 14 horas de trabalho diário, foi descoberto por um casal de espíritas. A dupla se deslocou de longe para curar uma de suas irmãs, ofertandolhe orações e passes. Reconheceram dons sobrenaturais no adolescente, que olhava assustado para a cena. Foram seus primeiros professores.
Quatro anos depois da iniciação, em 1931, quando trabalhava a todo o vapor nas horas vagas como “tradutor e intérprete” do além, Chico recebeu a visita de seu mentor espiritual, Emmanuel. Espírito antigo, culto e exigente. Dali em diante seriam inseparáveis. Mas, desde o primeiro minuto, o discípulo soube que não seria nada fácil corresponder à severa ética de trabalho de seu mestre, cujo mantra era: disciplina, disciplina e disciplina.
Sob a orientação de Emmanuel, o médium mineiro psicografou livros atrás de livros. Varava noites para dar conta dos prazos estipulados por seu superior. Dormia, pasmem, de três a quatro horas por dia. As dores nos olhos, em decorrência de uma catarata, não aliviavam seu fardo. Se reclamava ou lamentava, seu “chefe” retrucava: “Há tanta gente em situação muito pior que a sua. Prossiga”.
Talento e fé
Nos anos 40, 50 e 60, Chico dedicou sua pena frenética à produção literária. Psicografou poemas e artigos “ditados” por renomados literatos falecidos, entre eles, Castro Alves, Eça de Queiroz, Augusto dos Anjos e Humberto de Campos. A crítica da época ficava dividida. Alguns diziam tratar-se de um estranho caso psíquico. Outros reconheciam a fidelidade ao estilo dos artistas e se curvavam diante do mistério. Chico acostumou-se a viver na berlinda. Diversas suspeitas de fraude recaíram sobre ele no decorrer dos anos. Nenhuma se confirmou.
Também faziam sucesso as obras “prescritas” pelo espírito do médico André Luiz. A mais famosa, Nosso Lar (ed. Federação Espírita Brasileira) virou sucesso de bilheteria nos cinemas em 2010. Poucas eram as mensagens enviadas por desencarnados anônimos. Só a partir de 1967, já instalado na cidade de Uberaba, Minas Gerais, onde permaneceu até a morte, em 2002, Chico passou a intermediar com frequência o contato entre os mortos e seus parentes vivos por meio de cartas por ele psicografadas. Começava sua emocionante obra: consolar a única perda destituída de nomeação, a perda de um filho. A todos os que o procuravam aos prantos, compartilhando essa dor irreparável, ele acalmava dizendo com sua doce voz: “A morte não existe”.
“Além de sua capacidade mediúnica extraordinária e de seu absoluto desapego material, ele era, sobretudo, uma pessoa amorosa. Dedicou sua vida a ajudar os outros e a colocar palavras onde não há palavras – na morte”, diz a cineasta Cristiana Grumbach, diretora do documentário As Cartas Psicografadas por Chico Xavier. O filme apresenta o tocante depoimento de pais e mães que encontraram nos documentos mediúnicos avalizados por Chico alento para seguir em frente após o luto.
Apelidos, nomes e sobrenomes, referências íntimas e declarações de amor expressas nessas cartas, guardadas como relíquias pelos familiares, fizeram com que as pessoas, além de aplacar a dor da perda, se convertessem ao espiritismo. Pudera, a grande maioria das mensagens reitera aos que ficaram a inexistência da finitude. Para se referirem à vida após a morte, os autores dos recados se valem de expressões como: “A morte é a vida numa nova moldura”, “A morte não é ponto final, mas ponto e vírgula”, “A morte é uma troca de roupa. Deixamos uma roupa usada e ganhamos uma nova e melhor”.
Foram votos de esperança como esses que impulsionaram Chico a seguir trabalhando em prol de seu semelhante até os 92 anos de idade. “A dor dessa gente me penetra em toda a alma”, disse em 1985. Há décadas debilitado pela angina (dor no peito) e por sucessivas pneumonias, além da catarata, cumpriu, ainda que cambaleante, sua palavra até o final. Disse que morreria no dia em que o povo brasileiro estivesse exultante. Esse dia chegou: 30 de junho de 2002. Ele partia e o futebol brasileiro se tornava pentacampeão mundial. “Chico viveu na contramão do individualismo e do materialismo, movido por três forças raras e poderosas: o sentido de missão, o sentido de aceitação e o sentido de doação”, afirma seu biógrafo, Marcel Souto Maior. “Chico é o Amor, no sentido mais pleno dessa palavra e para muito além do que ela pode expressar”, diz Cristiana.
“Além de sua capacidade mediúnica extraordinária e de seu absoluto desapego material, ele era, sobretudo, uma pessoa amorosa.”
Cristiana Grumbach, diretora do documentário “As Cartas Psicografadas por Chico Xavier”
Pílulas de afeto
Encante-se com estes ensinamentos extraídos do livro
O Evangelho de Chico Xavier (Mundo Maior Editora).
“O Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros.”
“A caridade é um exercício espiritual. Quem pratica o bem coloca em movimento as forças da alma.”
“Uma das mais belas lições que tenho aprendido com o sofrimento: não julgar. Definitivamente, não julgar a quem quer que seja.”
“Cada um é livre para fazer o que quer de si mesmo, mas não podemos negar que nossas atitudes inspiram atitudes, tanto no bem quanto no mal.”
“Na realidade, toda doença no corpo é processo de cura para a alma.”
“Agradeço todas as dificuldades que enfrentei. Não fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito.”
“Graças a Deus, não me lembro de ter revidado à menor ofensa das inúmeras que sofri, certamente objetivando, todas elas, o meu aprendizado. Emmanuel sempre me disse: ‘Chico, quando você não tiver uma palavra que auxilie, procure não abrir a boca.’”
“Devemos aceitar a chegada da chamada morte, assim como o dia aceita a chegada da noite, tendo confiança que, em breve, de novo há de raiar o Sol.”
“Gente há que desencarna imaginando que as portas do mundo espiritual irão se lhes escancarar. Ledo engano! Ninguém quer saber o que fomos, o que possuíamos, que cargo ocupávamos no mundo. O que conta é a luz que cada um já tenha conseguido fazer brilhar em si mesmo.”
“Confesso a vocês que não vi o tempo passar. Por mais longa que nos pareça, a existência na Terra é uma experiência muito curta. A única coisa que espero depois da minha desencarnação é a possibilidade de poder continuar trabalhando.”
Reportagem retirada do site da Revista Bons Fluídos
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