22 de maio de 2011

Fita 52 - Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas


História da Umbanda

Comentários de Alexandre Cumino

Durante o período em que estava organizando material e escrevendo o livro “História da Umbanda”, foi chegando muito material em minhas mãos, além do que já dispunha por meio de anos garimpando em sebos e sites de busca, sobre registros antigos de nossa religião. De tudo que consegui coletar, sem duvida, um dos materiais que mais me impressionou foram as gravações feitas com Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas, por Lilia Ribeiro da TULEF. Uma cópia das entrevistas, feitas por ela para o Jornal Macaia, me foram entregues por Mãe Maria de Omulu, da Casa Branca de Oxalá. Duas destas gravações foram colocadas na integra no livro “História da Umbanda” junto com mais dois fragmentos de outras gravações. Tive a oportunidade de ouvir estes áudios junto de Lygia Cunha e Leonardo Cunha dos Santos (Neta e Bisneto de Zélio de Moraes), atuais dirigentes da Tenda Espirita Nossa Senhora da Piedade, o que foi uma grande emoção. Os textos são longos, mescla-se ora a voz de Zélio e ora a voz do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Zélio já está com idade avançada e ainda assim é possível perceber, no timbre de sua voz e na pronuncia, determinação, convicção e fé em cada palavra. Foram editadas algumas partes do texto original, por uma questão de espaço físico, o que não quebra nem muda seu contexto ou mensagem que fala por si mesma e não deixa duvidas com relação ao conteúdo que se faz expressar nas palavras do “Pai da Umbanda” – como bem coloca Pai Ronaldo Linares.
A gravação abaixo (Fita 52) foi realizada em Novembro de 1971, no 63º aniversário da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade e da Religião de Umbanda no Brasil. Gravação feita por Lilia Ribeiro para o Boletim Macaia (informativo da TULEF). Parte desta gravação já foi transcrita também pelo autor Jota Alves de Oliveira em seu no título Umbanda Cristã e Brasileira (Ed. Ediouro, s.d.) e desta foi para muitos outros informativos e publicações. Na abertura da gravação ouvimos o ponto de chamada do Caboclo das Sete Encruzilhadas (“Chegoou, Chegoou com Deus; Chegou, Chegou o Caboclo das Sete Encruzilhadas”). O texto começa com Zélio de Moraes falando “ao meu lado está o Caboclo das Sete Encruzilhadas”, a impressão que dá é que ele está ouvindo e repetindo as palavras do Sr. Sete Encruzilhadas, para, logo em seguida este lhe tomar a frente da comunicação. Este é um dos poucos registros em que, de forma direta e incisiva, é abordada a criação e o nascimento da Religião de Umbanda, por seu idealizador e praticante primeiro:
Queridos irmãos, ao meu lado está o Caboclo das 7 Encruzilhadas para dizer a vocês que esta Umbanda tão querida de todos nós, fez ontem 63 anos, que na Federação Kardecista do estado do Rio, presidida por José de Souza, conhecido por Zeca e rodeado de gente velha, homens de cabelos grisalhos. Um enviado de Santo Agostinho chamou meu aparelho, me chamou, para sentar a sua cabaceira. Trazia uma ordem, fora jesuíta até aquele momento, chamava-se Gabriel Malagrida, daquele instante ele ia criar a Lei da Umbanda, onde o preto e o caboclo pudessem manifestar. Porque ele não estava de acordo com a Federação Kardecista, que não recebia pretos nem caboclos. Pois se o Brasil - o que existia no Brasil eram caboclos, eram nativos - se no Brasil, quem veio explorar o Brasil, trouxe para trabalhar, para engrandecer este país, eram os pretos da costa da África, como é que uma Federação Espírita não recebia caboclo nem preto?
Então disse eu, disse o espírito, amanhã na casa de meu aparelho na Rua Floriano Peixoto 30, será inaugurado uma Tenda Espírita com o nome de Nossa Senhora da Piedade, que se chamará Tenda de Umbanda, onde o preto e o caboclo pudessem trabalhar.
Houve balburdia embora eles reconhecessem a mediunidade que eu trazia, mas eu era muito moço pois tinha feito 17 anos e por doença fui levado a federação, porque os médicos não me davam jeito.
Então este espírito que nós chamamos, O Chefe, o Caboclo das 7 Encruzilhadas, implantou na federação, chamando aqueles senhores, todos de cabelos grisalhos, senhores de responsabilidade, para assistirem a sessão na rua Floriano Peixoto nº 30. E o presidente da federação perguntou:
¬_ E o meu irmão vai acreditar que lá tenha alguém amanhã?
A minha resposta, a resposta do caboclo:
“_ Botarei no cume de cada montanha que circula Neves, uma trombeta tocando, anunciando a existência de uma tenda espírita onde o preto e o caboclo pudessem trabalhar”
Foi a 15 de Novembro de 1908, no dia 16 de novembro a nossa casa ficou cheia, e eu posso dizer aos meus irmãos, só fiz levado por este espírito que é o nosso guia porque eu não queria aceitar, eu estava sem saber, achando uma coisa extraordinária. Eu ia assumir uma responsabilidade de ter uma Tenda Espírita, de receber um guia pra fazer que os doutos, doutores fossem lá, buscar a cura de seus entes queridos. Pois meu irmão, tudo isto fiz eu, o meu anunciar da tenda foi tomar o meu aparelho e começar a produzir, a curar aqueles que estavam lá, ou fosse por isso, ou fosse por aquilo, mas Deus que é sumamente misericordioso levou um cego e outras pessoas, como também paralíticos, na Tenda da Piedade, na minha frente, eu disse à vista de todos: “Se tem fé levanta e caminha, porque quando chegar perto de mim estarás curado”. (Aqui é possível perceber grande emoção na voz de Zélio)...
[...] “_ Você, feche os olhos para a casa dos seus vizinhos, feche a boca para não murmurar com quem quer que seja, não julgues para não ser julgado, pense em Deus que a paz entrará na sua casa.”
[...] Por isso meus irmãos, criei 7 tendas na Capital da Republica no Distrito Federal, a 1ª foi criada e entregue a nossa irmã Gabriela, mais tarde 2 anos ou 3 anos depois passei para José Meireles, que foi também, que era um deputado federal, que foi em busca de cura de sua filha... enfim, criei 7 Tendas.
[...] Depois delas funcionarem, depois de tirar os médiuns dessa tenda (Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade) para que os médiuns pudessem trabalhar em outras tendas, formadas estas tendas vamos criar a Federação de Umbanda no Brasil. Chamei Idelfonso Monteiro, Maurício Marcos de Lisboa, Major Alfredo Marinho Ravache, hoje General, era major naquele tempo, enfim, botei 5 pessoas para se fazer a Federação de Umbanda no Brasil ( FEUB - Federação Espírita de Umbanda do Brasil, que seria mais tarde UEUB – União Espírita de Umbanda do Brasil).
[...] Mais tarde a Tenda da Piedade continuou a trabalhar contando com a assistência deste aparelho que falo, continuou a produzir, a curar, porque a cura de loucos nestes 63 anos, trabalhando para uma casa de saúde, que os médicos nos procuravam, iam a nossa casa, a casa do meu aparelho para pedir, para saber quais os loucos que tinham cura, dando os nomes e apontando: “_ Esse, esse, esse e esse tem cura, os outros não, porque esses são atuados por espíritos e nós vamos afastar estes espíritos e a maluquice passa.”
Veio então mais tarde a formação de um jornal de propaganda para a nossa Umbanda (Jornal de Umbanda), ai contamos com o secretario da tenda, Luiz Marinho da Cunha, contamos com Leal de Souza e outros que eram fervorosamente espíritas, pelas coisas que ele sentiu e pelas coisas que ele recebeu, das graças de Deus, transmitidas por nós a sua pessoa. E meus irmãos, a Umbanda continua, nasceu em 1908 na Federação Kardecista de Niterói, está lá escrito, presidida por José de Souza, que conheciam por Zeca que era chefe do Toc Toc... em Niterói... José Tavares, José enfim uma quantidade (de pessoas) que está tudo escrito.
E a Umbanda começou em 1908 na Federação Kardecista de Niterói! Hoje, a Umbanda está em todos os estados porque médiuns daqui saíram para o Rio Grande porque não pude levar o meu aparelho lá, mas levei ao estado do Rio, levei a São Paulo onde criei mais de 20 tendas, em Minas, enfim, no Espirito Santo também tem, de curas que fez lá e foi necessário se fazer tendas espíritas da nossa Umbanda querida nestes estados.
[...] E é preciso ter muito cuidado, haver moral, para que a Umbanda progrida e seja uma Umbanda de humildade, amor e caridade. É esta a nossa bandeira. E acreditem vocês meus irmãos, acreditem vocês, que neste momento me rodeiam diversos espíritos que vem trabalhando na Umbanda do Brasil.
Porquê havia necessidade, não vim por acaso não, eu trouxe uma ordem uma missão, porque venho a muito tempo dizendo aquilo que ia acontecer, desde o terremoto de Lisboa em 1755[1] até este momento e tudo aquilo que eu dizia que ia acontecer acontecia.
Pois bem sejam humildes tragam amor no coração, mas amor de irmão para irmão porque as vossas mediunidades ficarão muito mais limpas e puras, útil a qualquer espírito superior que possa baixar. Que os vossos aparelhos estejam sempre limpos, que os vossos instrumentos estejam sempre afinados com as virtudes que Jesus pregou na Terra para que tenhamos boas comunicações, boas proteções, para todos aqueles que possam vir em busca de socorro nas nossas casas de Umbanda, nas nossas casas de caridade em todo Brasil.
Meus irmãos, este aparelho está velho já com 80 anos a fazer, mas começou antes dos 18, se eu disser que eu o ajudei para que ele pudesse se casar, para que ele não pudesse andar dando cabeçadas, para que fosse um médium aproveitável, como eu disse na federação e está lá escrito, fui procurar as mediunidades que ele tinha para fazer a nossa Umbanda no Brasil, e todos estes, a maior parte ou todos estes que trabalham em Umbanda se não passaram por esta tenda, passaram por filhos saídos desta tenda que criaram outros terreiros.
[...] Eu meu irmão, como o menor espírito que baixou nesta terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita de espíritos que me rodeiam neste momento, que eles sintam a necessidade de cada um e ao saírem deste templo de caridade, que vocês encontrem os caminhos abertos, os vossos enfermos melhorados e curados e a saúde para sempre nas vossas matérias.
Com paz saúde e felicidade, com humildade amor e caridade, sou e serei sempre o humilde Caboclo das 7 Encruzilhadas.
Obs.: Aqui no final do ultimo parágrafo é possível ouvir a emoção nas palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas, nos parece emoção esta compartilhada com Zélio de Moraes. Temos a sensação, nas ultimas palavras, de que o médium se encontra em lágrimas, algo que igualmente emociona quem tem o privilégio de ouvir este documento vivo de nossa amada Umbanda.
[1] Aqui são palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas que em vida foi o Jesuíta, Frei Gabriel de Malagrida, que previu este terremoto, perseguido pelo Marques de Pombal, foi vitima de intrigas que o levaram á fogueira da “Santa Inquisição”, tendo por acusação maior ter previsto este terremoto.

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